Propus-me a contrapor alguns argumentos que vem sendo colocados em favor do projeto de lei que supostamente vem para combater os Crimes Eletrônicos.
Caso Maria Claudia Del'Isolo e vazamento de fotos na Internet
Anda-se dizendo por ai um punhado de coisas para as quais vai se servir a o PLC 89/2003, dentre elas o Senador Azeredo gosta de chamar atenção para o caso Maria Claudia Del'isolo, jovem assassinada brutalmente em Brasília, cujas fotos do cadáver circularam na Internet. (vide noticias aqui e aqui).
Em síntese, ocorreu, como noticia o G1:
"A polícia concluiu nesta sexta-feira (4) a investigação sobre quem teria divulgado na internet fotos do processo de Maria Cláudia Del'Isola, jovem brutalmente assassinada em 2004. Segundo a polícia, a responsável é uma estudante de Direito que fazia parte do Tribunal do Júri do caso." (...) "Segundo o delegado Antônio Cavallero, a estudante de Direito responsável pela divulgação teria levado as fotos ao estágio, onde dois colegas de trabalho escanearam as imagens e as colocaram na internet. "
Assim, veja que, no caso, não houve qualquer violação de segurança, se quer, transferência dos dados da rede da Policia Civil para a Internet.
Logo, como o PLC 89/2003 pode atuar neste caso? Não ha qualquer outro artigo aplicável ao caso se não os art 285-A e 285-B (vide texto do PLC 89/2003 na integra), os quais, são tão aplicáveis às fotos quanto a qualquer outro conteúdo possível de ser armazenado em uma rede protegida.
Veja bem, as fotos, e qualquer outro conteúdo de um Processo Penal são necessariamente públicos, só podendo ser sigiloso em casos muito específicos quando o segredo de justiça é decretado pelo juiz. Não era esse o caso de Maria Cláudia.
A insistência do Senador Azeredo em vincular o PLC ao caso Maria Claudia só reforça o maior temor da Blogosfera, ou seja, de que a Lei já é elaborada com a intenção de estabelecer um estado de terror na rede de forma a permitir um controle arbitrário tanto por parte do Estado quanto de empresas sobre todo e qualquer conteúdo ali trocado. Veja que se o artigo é aplicável a uma pessoa que foi membro do Tribunal do Juri que julgou os assassinos, será muito mais aplicável a jornalista que "vazam" gravações ou páginas de processos e investigações contra grandes banqueiros ou membros das altas esferas do Estado Brasileiro.
Criação do Órgão de Registro e "Auditoria" do Comportamento dos Usuários na Internet
Outro ponto que pessoalmente, muito me preocupa, é a redação do parágrafo 1 do Artigo 22 da lei que afirma:
"§ 1º Os dados de que cuida o inciso I deste artigo [logs de toda a atividade de todos os IP's do provedor de acesso, incluindo data, hora, portas, origem e destino das conexões], as condições de segurança de sua guarda, a auditoria à qual serão submetidos e a autoridade competente responsável pela auditoria, serão definidos nos termos de regulamento."
Não precisa ser Jurista, muito menos Advogado, pra concluir que toda essa montanha de dados colhidos pelos provedores, a respeito da vida e comportamento de seus usuários, será acessada INDEPENDENTE DE ORDEM JUDICIAL por uma entidade ainda indefinida [Abin, PF, um novo departamento de segurança doméstica] que terá a responsabilidade de "auditar" esses dados.
Auditoria, segundo a Wikipedia é: "um exame cuidadoso, sistemático e independente, cujo objetivo seja averiguar se as atividades desenvolvidas em determinada empresa ou setor estão de acordo com as disposições planejadas e/ou estabelecidas previamente, se estas foram implementadas com eficácia e se estão adequadas (em conformidade) à consecução dos objetivos."
O que me parece uma brutal violação de direitos individuais à privacidade e à intimidade. É como se ficasse instituído um "grampo preventivo" contra todos os usuários de Internet.
Falácia do Combate à Pedofilia como desculpa para o PLC 89/2008
Outro argumento que se gosta de utilizar é de que o Projeto de Lei do Azeredo vem para evitar a pornografia na Internet. Balela. O que o PLC se propõe a fazer é adicionar os verbos "armazenar" e ao, já existente art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ocorre que especialmente a conduta de "armazenar" é imprescindível para que Ongs e Conselhos Tutelares possam denunciar pedófilos às autoridades policiais.
Tanto é que o Projeto de Lei do Senado 250/2008 (aprovado no mesmo dia do PLC 89/2003) o qual é produto de longo trabalho de elaboração da CPI da Pedofilia e criado exclusivamente para combater a Pedofilia em todos os espaços da sociedade, vem explicitar que "§ 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei (..)"
Assim, o que a emenda eminentemente "propagandistica" do PLC 89/2003 vem fazer é alterar ,de forma irresponsável, uma lei, prejudicando todo um sistema muito bem estabelecido de denuncia e investigação de crimes de pedofilia e pornografia infantil em prejuízo da sociedade como um todo.
Do combate à pirataria
Um dos argumento é que apenas os "piratas" seriam vitimados pela aprovação de tal lei. Neste argumento a pergunta é: e a quem prejudicam os eventuais "piratas"? Ora, veja que a maior produtora de cinema e vídeo do mundo é a Nigéria e lá, não ha qualquer problema quanto à pirataria pois os conteúdos são vendidos à preços razoáveis....
Não me estenderei neste ponto que também gera um longo debate, apenas ficam aqui duas considerações para reflexão do leitor: 1) se a pirataria fosse prejudicial ao cinema e à Industria Fonográfica, Tropa de Elite não teria sido um dos maiores sucessos de bilheteria da história do cinema Brasileiro. e; 2) se pirataria de software fizesse mal a alguém, o Windows não teria sido o sistema operacional gráfico mais utilizado no país [pois certamente foi o mais pirateado].
Quanto à questão da pirataria de entretenimento e software, o que acontece é que o modelo de negócio tornou-se insustentável e as empresas passaram a adotar atitudes anti-capitalistas para tentar impor esse modelo falido... (isso rende algumas aulas e não pretendo detalhar o tema agora de forma que fico por aqui).
Consequências Sociais da aprovação do PLC 89/2003
ou
A quem se aplica uma lei que não se explica
E a pergunta seria: qual o problema então de se aprovar uma lei como essas? Bem, além de se tratar de uma atrocidade aos direitos individuais mais básicos do cidadão, a consequência prática seria que todos os usuários "médios" da Internet se tornariam em maior ou menor grau, criminosos aos olhos da Lei.
Certamente nosso sistema penal não tem capacidade de processar a tudo e a todos, de forma que, uma Lei como essa seria utilizada contra aqueles que se opõe ao "sistema" atual, bem como, contra aqueles que já se encontram parcialmente excluídos ou à margem da sociedade.
A aprovação de uma normativa tão vaga como essa passa a exigir, para que alguém acesse a Internet, um nível social muito mais elevado (com capacidade financeira de adquirir todas as licenças de todos os conteúdos que venham a ser acessados, bem como, com nível educacional suficiente para ler e interpretar todos os contratos de uso dos respectivos conteúdos) e um aparato advocatício a disposição para eventuais explicações. Também engessa a capacidade criativa e produtiva de conteúdos digitais, já que, eventuais violações que seriam objeto de debate civil, passam a ser agora matéria criminal (e veja que praticamente não se tem notícia de ações cíveis no Brasil decorrentes de "remix", "samplers" ou outros tipos de produção eminentemente digital, ou seja, mesmo podendo, os atuais detentores de direitos sobre esse conteúdo raramente exercitam esse direito de maneira formal).
Também há um grave risco de que a ferocidade do Estado se volte a seus questionadores e opositores políticos e ideológicos (se o Dociê da Dilma versava apenas sobre os vinhos do ex-Presidente FHC, imagina, por exemplo, se à atual Casa Civil estivesse disponível para auditoria, 3 anos de logs de uso da Internet da residência oficial do Presidente... agora imagina se por mera obra do acaso, o um dos computadores de uso pessoal do ex-Presidente tivesse sido contaminado com um AdWare que faz popUp de propaganda de sites pornográfico....), visto que existe um histórico recente que demonstra que nosso Estado Brasileiro, não é dos mais eficazes no que diz respeito à guarda de dados sigilosos e privados dos seus cidadãos, é o que ocorreu no caso do CD da Base da Receita Federal, e do caseiro do ex-Ministro da Fazenda.
Assim, estaremos adentrando em uma era de absoluta insegurança jurídica, decorrente de uma Lei Penal completamente vaga e mal elaborada, cujo preço, como é de costume no sistema criminal brasileiro, será pago exatamente por aqueles que não tem dinheiro para pagar.
Caso Maria Claudia Del'Isolo e vazamento de fotos na Internet
Anda-se dizendo por ai um punhado de coisas para as quais vai se servir a o PLC 89/2003, dentre elas o Senador Azeredo gosta de chamar atenção para o caso Maria Claudia Del'isolo, jovem assassinada brutalmente em Brasília, cujas fotos do cadáver circularam na Internet. (vide noticias aqui e aqui).
Em síntese, ocorreu, como noticia o G1:
"A polícia concluiu nesta sexta-feira (4) a investigação sobre quem teria divulgado na internet fotos do processo de Maria Cláudia Del'Isola, jovem brutalmente assassinada em 2004. Segundo a polícia, a responsável é uma estudante de Direito que fazia parte do Tribunal do Júri do caso." (...) "Segundo o delegado Antônio Cavallero, a estudante de Direito responsável pela divulgação teria levado as fotos ao estágio, onde dois colegas de trabalho escanearam as imagens e as colocaram na internet. "
Assim, veja que, no caso, não houve qualquer violação de segurança, se quer, transferência dos dados da rede da Policia Civil para a Internet.
Logo, como o PLC 89/2003 pode atuar neste caso? Não ha qualquer outro artigo aplicável ao caso se não os art 285-A e 285-B (vide texto do PLC 89/2003 na integra), os quais, são tão aplicáveis às fotos quanto a qualquer outro conteúdo possível de ser armazenado em uma rede protegida.
Veja bem, as fotos, e qualquer outro conteúdo de um Processo Penal são necessariamente públicos, só podendo ser sigiloso em casos muito específicos quando o segredo de justiça é decretado pelo juiz. Não era esse o caso de Maria Cláudia.
A insistência do Senador Azeredo em vincular o PLC ao caso Maria Claudia só reforça o maior temor da Blogosfera, ou seja, de que a Lei já é elaborada com a intenção de estabelecer um estado de terror na rede de forma a permitir um controle arbitrário tanto por parte do Estado quanto de empresas sobre todo e qualquer conteúdo ali trocado. Veja que se o artigo é aplicável a uma pessoa que foi membro do Tribunal do Juri que julgou os assassinos, será muito mais aplicável a jornalista que "vazam" gravações ou páginas de processos e investigações contra grandes banqueiros ou membros das altas esferas do Estado Brasileiro.
Criação do Órgão de Registro e "Auditoria" do Comportamento dos Usuários na Internet
Outro ponto que pessoalmente, muito me preocupa, é a redação do parágrafo 1 do Artigo 22 da lei que afirma:
"§ 1º Os dados de que cuida o inciso I deste artigo [logs de toda a atividade de todos os IP's do provedor de acesso, incluindo data, hora, portas, origem e destino das conexões], as condições de segurança de sua guarda, a auditoria à qual serão submetidos e a autoridade competente responsável pela auditoria, serão definidos nos termos de regulamento."
Não precisa ser Jurista, muito menos Advogado, pra concluir que toda essa montanha de dados colhidos pelos provedores, a respeito da vida e comportamento de seus usuários, será acessada INDEPENDENTE DE ORDEM JUDICIAL por uma entidade ainda indefinida [Abin, PF, um novo departamento de segurança doméstica] que terá a responsabilidade de "auditar" esses dados.
Auditoria, segundo a Wikipedia é: "um exame cuidadoso, sistemático e independente, cujo objetivo seja averiguar se as atividades desenvolvidas em determinada empresa ou setor estão de acordo com as disposições planejadas e/ou estabelecidas previamente, se estas foram implementadas com eficácia e se estão adequadas (em conformidade) à consecução dos objetivos."
O que me parece uma brutal violação de direitos individuais à privacidade e à intimidade. É como se ficasse instituído um "grampo preventivo" contra todos os usuários de Internet.
Falácia do Combate à Pedofilia como desculpa para o PLC 89/2008
Outro argumento que se gosta de utilizar é de que o Projeto de Lei do Azeredo vem para evitar a pornografia na Internet. Balela. O que o PLC se propõe a fazer é adicionar os verbos "armazenar" e ao, já existente art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ocorre que especialmente a conduta de "armazenar" é imprescindível para que Ongs e Conselhos Tutelares possam denunciar pedófilos às autoridades policiais.
Tanto é que o Projeto de Lei do Senado 250/2008 (aprovado no mesmo dia do PLC 89/2003) o qual é produto de longo trabalho de elaboração da CPI da Pedofilia e criado exclusivamente para combater a Pedofilia em todos os espaços da sociedade, vem explicitar que "§ 2º Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei (..)"
Assim, o que a emenda eminentemente "propagandistica" do PLC 89/2003 vem fazer é alterar ,de forma irresponsável, uma lei, prejudicando todo um sistema muito bem estabelecido de denuncia e investigação de crimes de pedofilia e pornografia infantil em prejuízo da sociedade como um todo.
Do combate à pirataria
Um dos argumento é que apenas os "piratas" seriam vitimados pela aprovação de tal lei. Neste argumento a pergunta é: e a quem prejudicam os eventuais "piratas"? Ora, veja que a maior produtora de cinema e vídeo do mundo é a Nigéria e lá, não ha qualquer problema quanto à pirataria pois os conteúdos são vendidos à preços razoáveis....
Não me estenderei neste ponto que também gera um longo debate, apenas ficam aqui duas considerações para reflexão do leitor: 1) se a pirataria fosse prejudicial ao cinema e à Industria Fonográfica, Tropa de Elite não teria sido um dos maiores sucessos de bilheteria da história do cinema Brasileiro. e; 2) se pirataria de software fizesse mal a alguém, o Windows não teria sido o sistema operacional gráfico mais utilizado no país [pois certamente foi o mais pirateado].
Quanto à questão da pirataria de entretenimento e software, o que acontece é que o modelo de negócio tornou-se insustentável e as empresas passaram a adotar atitudes anti-capitalistas para tentar impor esse modelo falido... (isso rende algumas aulas e não pretendo detalhar o tema agora de forma que fico por aqui).
Consequências Sociais da aprovação do PLC 89/2003
ou
A quem se aplica uma lei que não se explica
E a pergunta seria: qual o problema então de se aprovar uma lei como essas? Bem, além de se tratar de uma atrocidade aos direitos individuais mais básicos do cidadão, a consequência prática seria que todos os usuários "médios" da Internet se tornariam em maior ou menor grau, criminosos aos olhos da Lei.
Certamente nosso sistema penal não tem capacidade de processar a tudo e a todos, de forma que, uma Lei como essa seria utilizada contra aqueles que se opõe ao "sistema" atual, bem como, contra aqueles que já se encontram parcialmente excluídos ou à margem da sociedade.
A aprovação de uma normativa tão vaga como essa passa a exigir, para que alguém acesse a Internet, um nível social muito mais elevado (com capacidade financeira de adquirir todas as licenças de todos os conteúdos que venham a ser acessados, bem como, com nível educacional suficiente para ler e interpretar todos os contratos de uso dos respectivos conteúdos) e um aparato advocatício a disposição para eventuais explicações. Também engessa a capacidade criativa e produtiva de conteúdos digitais, já que, eventuais violações que seriam objeto de debate civil, passam a ser agora matéria criminal (e veja que praticamente não se tem notícia de ações cíveis no Brasil decorrentes de "remix", "samplers" ou outros tipos de produção eminentemente digital, ou seja, mesmo podendo, os atuais detentores de direitos sobre esse conteúdo raramente exercitam esse direito de maneira formal).
Também há um grave risco de que a ferocidade do Estado se volte a seus questionadores e opositores políticos e ideológicos (se o Dociê da Dilma versava apenas sobre os vinhos do ex-Presidente FHC, imagina, por exemplo, se à atual Casa Civil estivesse disponível para auditoria, 3 anos de logs de uso da Internet da residência oficial do Presidente... agora imagina se por mera obra do acaso, o um dos computadores de uso pessoal do ex-Presidente tivesse sido contaminado com um AdWare que faz popUp de propaganda de sites pornográfico....), visto que existe um histórico recente que demonstra que nosso Estado Brasileiro, não é dos mais eficazes no que diz respeito à guarda de dados sigilosos e privados dos seus cidadãos, é o que ocorreu no caso do CD da Base da Receita Federal, e do caseiro do ex-Ministro da Fazenda.